O ensino de uma língua segunda ou uma língua estrangeira deve ser um ensino adequado às necessidades do aprendente. Num mundo multicultural, o contacto com as outras culturas visa-se, não só necessário , mas vital, à mútua compreensão. Para que se permita que a globalização não nos descaracterize na nossa individualidade, e para validar a própria cultura, este é um blog dedicado ao ensino da língua e cultura portuguesa.
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá a falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…
Luís de Camões : "Verdes são os campos"
Verdes são os campos, De cor de limão: Assim são os olhos Do meu coração.
Campo, que te estendes Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes Que traz o Verão, E eu das lembranças Do meu coração.
Gados que pasceis Com contentamento, Vosso mantimento Não no entendereis; Isso que comeis Não são ervas, não: São graças dos olhos Do meu coração.
Luis Vaz de Camões: "O dia em que eu nasci, moura e pereça"
O dia em que eu nasci, moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar, Não torne mais ao mundo e, se tornar, Eclipse nesse passo o sol padeça.
A luz lhe falte, o sol se lhe escureça, Mostre o mundo sinais de se acabar, Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu!
Bocage: "A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios"
Camões, grande Camões, quão semelhante Acho teu fado ao meu quando os cotejo! Igual causa nos fez perdendo o Tejo Arrostar co sacrílego gigante:
Como tu, junto ao Ganges sussurrante Da penúria cruel no horror me vejo; Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou, saudoso amante:
Lubíbrio, como tu, da sorte dura, Meu fim demando ao Céu, pela certeza De que só terei paz na sepultura:
Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da natureza.
Cláudio Manuel da Costa: "Soneto V"
Se sou pobre pastor, se não governo Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes; Se em frio, calma, e chuvas inclementes Passo o verão, outono, estio, inverno;
Nem por isso trocara o abrigo terno Desta choça, em que vivo, coas enchentes Dessa grande fortuna: assaz presentes Tenho as paixões desse tormento eterno.
Adorar as traições, amar o engano, Ouvir dos lastimosos o gemido, Passar aflito o dia, o mês, e o ano;
Seja embora prazer; que a meu ouvido Soa melhor a voz do desengano, Que da torpe lisonja o infame ruído.
Florbela Espanca : "Ser Poeta"
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
Francisco José Tenreiro : "Canção do Mestiço"
Mestiço!
Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.
Mestiço!
E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como l e l são 2.
Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
— mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.
Ah!
Mas eu não me danei ...
E muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor! ...
Mestiço!
Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro.
Pois é...
Fernando Pessoa: "Mar português" In Mensagem
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
Luís de Camões : "Amor é fogo que arde sem se ver"
"Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"
Luís de Camões (1524-1580)
Aníbal Nazaré e Nelson de Barros: "Fado Falado"
Fado Triste Fado negro das vielas Onde a noite quando passa Leva mais tempo a passar Ouve-se a voz Voz inspirada de uma raça Que mundo em fora nos levou Pelo azul do mar Se o fado se canta e chora Também se pode falar
Mãos doloridas na guitarra que desgarra dor bizarra Mãos insofridas, mãos plangentes Mãos frementes e impacientes Mãos desoladas e sombrias Desgraçadas, doentias Quando à traição, ciume e morte E um coração a bater forte
Uma história bem singela Bairro antigo, uma viela Um marinheiro gingão E a Emília cigarreira Que ainda tinha mais virtude Que a própria Rosa Maria Em dia de procissão Da Senhora da Saúde
Os beijos que ele lhe dava Trazia-os ele de longe Trazia-os ele do mar Eram bravios e salgados E ao regressar à tardinha O mulherio tagarela De todo o bairro de Alfama Cochichava em segredinho Que os sapatos dele e dela Dormiam muito juntinhos Debaixo da mesma cama
Pela janela da Emília Entrava a lua E a guitarra À esquina de uma rua gemia, Dolente a soluçar. E lá em casa:
Mãos amorosas na guitarra Que desgarra dor bizarra Mãos frementes de desejo Impacientes como um beijo Mãos de fado, de pecado A guitarra a afagar Como um corpo de mulher Para o despir e para o beijar
Mas um dia, Mas um dia santo Deus, ele não veio Ela espera olhando a lua, meu Deus Que sofrer aquele O luar bate nas casas O luar bate na rua Mas não marca a sombra dele Procurou como doida E ao voltar da esquina Viu ele acompanhado Com outra ao lado, de braço dado Gingão, feliz, levião Um ar fadista e bizarro Um cravo atrás da orelha E preso à boca vermelha O que resta de um cigarro Lume e cinza na viela, Ela vê, que homem aquele O lume no peito dela A cinza no olhar dele
E o ciume chegou como lume Queimou, o seu peito a sangrar Foi como vento que veio Labareda atear, a fogueira aumentar Foi a visão infernal A imagem do mal que no bairro surgiu Foi o amor que jurou Que jurou e mentiu Correm vertigens num grito Direito ou maldito que há-de perder Puxa a navalha, canalha Não há quem te valha Tu tens de morrer Há alarido na viela Que mulher aquela Que paixão a sua E cai um corpo sangrando Nas pedras da rua
Mãos carinhosas, generosas Que não conhecem o rancor Mãos que o fado compreendem e entendem sua dor Mãos que não mentem Quando sentem Outras mãos para acarinhar Mãos que brigam, que castigam Mas que sabem perdoar
E pouco a pouco o amor regressou Como lume queimou Essas bocas febris Foi um amor que voltou E a desgraça trocou Para ser mais feliz Foi uma luz renascida Um sonho, uma vida De novo a surgir Foi um amor que voltou Que voltou a sorrir
Há gargalhadas no ar E o sol a vibrar Tem gritos de cor Há alegria na viela E em cada janela Renasce uma flor Veio o perdão e depois Felizes os dois Lá vão lado a lado E digam lá se pode ou não Falar-se o fado.
(Interpretado e difundido por João Villaret)
Alexandre O'Neill: "Divertimento com sinais ortográficos"
... Em aberto, em suspenso Fica tudo o que digo. E também o que faço é reticente... : Introduzimos, por vezes, Frases nada agradáveis... . Depois de mim maiúscula Ou espaço em branco Contra o qual defendo os textos , Quando estou mal disposta (E estou-o muitas vezes...) Mudo o sentido às frases, Complico tudo... ! Não abuses de mim! ? Serás capaz de responder a tudo o que pergunto? ( ) Quem nos dera bem juntos Sem grandes apartes metidos entre nós! ^ Dou guarida e afecto A vogal que procure um tecto.
Sebastião da Gama : "Pequeno poema"(1945)
Quando eu nasci, ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais… Somente, esquecida das dores, a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci, não houve nada de novo senão eu.
As nuvens não se espantaram, não enlouqueceu ninguém…
Pra que o dia fosse enorme. bastava, toda a ternura que olhava nos olhos da minha Mãe…
António Gedeão: "Lágrima de preta"
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Luís de Camões: "Endechas a Bárbara escrava"
Aquela cativa Que me tem cativo, Porque nela vivo Já não quer que viva. Eu nunca vi rosa Em suaves molhos, Que pera meus olhos Fosse mais fermosa. Nem no campo flores, Nem no céu estrelas Me parecem belas Como os meus amores. Rosto singular, Olhos sossegados, Pretos e cansados, Mas não de matar. Uma graça viva, Que neles lhe mora, Pera ser senhora De quem é cativa. Pretos os cabelos, Onde o povo vão Perde opinião Que os louros são belos. Pretidão de Amor, Tão doce a figura, Que a neve lhe jura Que trocara a cor. Leda mansidão, Que o siso acompanha; Bem parece estranha, Mas bárbara não. Presença serena Que a tormenta amansa; Nela, enfim, descansa Toda a minha pena. Esta é a cativa Que me tem cativo; É pois nela vivo, É força que viva.
Ricardo Reis (Fernando Pessoa): "Para ser grande"
Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a Lua toda Brilha, porque alta vive.
Este blog não tem fins lucrativos e está abrangido pela protecção legal de Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.No entanto as fotos que encontra neste site não são de minha autoria. Apenas os conteúdos de texto, ou os textos anexados às fotos. As imagens usadas servem para ilustrar e tornar mais agradável a aprendizagem, mas o mérito vai para quem as publicou. Por lapso não tem identificação de autoria, mas desde já agradeço a todos que têm, tal como eu, a vontade de partilhar com os outros o seu bom gosto, a sua boa vontade e o seu saber. A todos esses, um bem haja.
Bibliografia utilizada:
CINTRA, Luís F. Lindley; CUNHA, Celso: Nova gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1997
Conselho da Europa: Quadro Europeu Cumum de Referência para as Línguas, Porto, ASA Editores, 2001
MATEUS, H. Mira et alii: Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1989
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